Wednesday 17 October 2007

Adeus

Hoje recordo quando te criei, Ariane. Dei-te os lábios sensuais, dei-te os braços esguios, dei-te as coxas ágeis.. depois moldei-te a alma. Ensinei-te a altivez com muito de ternura, a cúmplice serenidade com laivos de loucura. Dei-te a voz confiante e pausada ordenada por pensamentos límpidos, dei-te a voz rouca e lânguida comandada por pensamentos promíscuos. Assim te fiz personagem, assim reflecti em espelho convexo a tua imagem.. porque queres agora ser mulher? Ser mulher é tarefa árdua, minha criatura... ser mulher é sorrir quando quer chorar, é ser magoada quando apenas anseia amar - e ser amada, e ser amada - é numa longa e distante caminhada vislumbrar apenas o horizonte que um dia sonhou alcançar. Mas sabes, Ariane? São fogos fátuos, apenas... ser mulher é ser dor, meu amor...

Comigo estavas protegida. Com as duas linhas que imaginei e que te proibi de transpores, era fácil seres feliz. Este monitor era o teu mundo, este teclado a tua mente, e serias feliz porque nunca conhecerias o amor, Ariane. Essa droga intoxicante que nos transforma em farrapos, essa torpe loucura sádica inventada por um deus que não existe.. coloquei-te assim, a meu lado, com madeira e pedras a impedirem-te de seres tocada. Porquê, minha boneca de porcelana? Porque insististe em seres mulher?...

O comboio chegou ao fim da viagem, musa. Dá-me a mão e desce enquanto ainda és imagem e personagem, enquanto ainda respiras e és feliz.. fecha os olhos.. tenho que te retirar a alma, agora. Não, não dói. Ainda não és mulher, ainda não..

Dói-me a mim, Ariane.

Adeus.

Thursday 11 October 2007

O lago dos cisnes

Chama-me um cisne e deixa-me levitar assim, suavemente, até te tocar... uma coisa te prometo: chama-me cisne e chamar-te-ei Siegfried, meu principe... Siegfried...

Observa os meus movimentos loucos, quase felinos, entontecida pela orquestra feiticeira que me reduz a uma força de graciosidade.. os meus braços abrem-se, as minhas coxas conquistam a gravidade e os meus pés são agora o centro do mundo, enquanto me concentro em ti. Quando danço sou volúpia, sou desejo, mas também sou a boneca de trapos que facilmente podes rasgar.. porque sou tua enquanto me chamares cisne, meu principe... chama-me cisne... chama.

Não me chamaste cisne, chamaste-me Odette. Quebraste o encanto e não serás principe no meu bailado. Quiseste a mulher, serás o homem. Serás o meu objecto carnal e dançarei para ti. E os meus braços apenas se abrirão para logo os estreitar nas tuas costas, as minhas coxas cederão á gravidade que facilmente desafiava e ficarão separadas, inertes, á tua espera. Sem aplausos, sem vôos alados, sem lágrimas de comoção. Apenas a tua saliva, o teu suor, o teu odor, o nosso amor.. e será terrivel, homem. Porque não te deixaste encantar pelo conto de fadas onde eu seria cisne e tu principe.. porque não te deixaste enlevar pela minha dança, pelo meu bailado, pelas minhas tranças no meu cabelo bem cuidado... Queres-me mulher, mulher serei. Chama-me mulher e grita por Odette quando te arranhar ferozmente, porque despertaste em mim a feiticeira, porque adormeceste em mim o feitiço, não podes ser principe, não voltarei a ser cisne, e é com raiva que te ameaço que serei tua mulher!

Chega de sonhos, rapazinho.. aqui me tens. Chama-me. Ama-me. Como mulher.

Thursday 4 October 2007

A terra dos sonhos

Fizeste de mim um vagabundo errante, percorrendo a terra dos sonhos só para te encontrar.. já te disse que só lá te encontro? Sabes bem que só lá te toco, só lá te dispo de roupa e defesas, só lá sorrio para ti enquanto as minhas mãos nervosas e desajeitadas percorrem a linha imaginária de um horizonte distante que é o teu corpo nú. Sou náufrago, meu amor. Atravessei oceanos num barco á deriva, levado pela corrente do meu pensamento constante em ti. Expectante por ti. Distante de ti, distante de ti... do longe se faria perto não houvesse tanto a separar-nos. Mas há mares, desertos e cordilheiras que se erguem subitamente e me fazem recuar.. sim, ternura.. também eu receio as ondas e as tempestades de areia. Por isso adormeço e eternamente corro para ti. Para a cama de madeira escura onde gravas os contornos do teu corpo inerte num lençol, onde exalas paixão e transpiras desejo, onde enfim te encontro de olhos semicerrados prestes a abandonar-te á minha posse, á tua entrega, ao nosso querer. E queremo-nos tanto... nas tuas coxas vejo corças selvagens, ágeis e belas, fortes e meigas, que se afastam á primeira caricia... no teu sexo vejo um tronco secular escorrendo seiva após um golpe profundo.. estou viciado no meu sono, já. Só lá posso ser o vagabundo errante que percorre a terra dos sonhos só para te encontrar.

Porque aqui, agora, és apenas uma longa linha do horizonte. Oceanos, desertos e cordilheiras impedem-me de te tocar. Mas assim seguimos, lado a lado... até ao fim do mundo, até á terra dos sonhos.

Tuesday 25 September 2007

Teatro

Fui ao teatro durante esta longa e lancinante ausência.. fui o teatro nesta nossa tragédia. Fui pano e ponto, fui as três pancadas de Moliére, fui adereço e cenário e tu apenas assistias, impávido, sereno, desprovido de emoções e pleno de ilusões... não, meu amor. Não te iludas... não era eu a louca que quase pereceu naquele palco de madeira escura que rangia a cada passo meu, que gemia.. como eu. Era somente a adaga que te iria trespassar... chama-me dor, meu amor. A estranha dor de tanto de amar.

( Voltar a correr descalça pelos bastidores, entrar nos camarins para me maquilhar, imaginar-me uma dama da corte, imaginar-te o estranho cavaleiro da máscara escarlate que iria olhar para mim, para o meu rosto rosa e carmim e enfim tocar-te.. meu herói inventado de máscara escarlate.. louca de desejo, desejo sair de cena, não quero ser mais a adaga a sede que não te larga... peço tão pouco... imploro, anseio, e creio que voltarei a correr descalça pelos bastidores até tropeçar e cair, cair, cair, mesmo ali, mesmo aqui. Junto a ti. )

Fora de cena quem não é de cena!! Fora de mim... meu único espectador, observa a cortina a baixar e não esperes que volte para recolher os teus aplausos.. vislumbra as sombras que nascem quando as luzes diminuem.. olha-as bem... reconheces aquelas silhuetas?... vê bem a linha de comboio... essa ignóbil linha de comboio onde somos dois carris, onde madeira e pedras impedem o nosso toque... mas assim seguimos. Lado a lado. Until the end of the world.

Monday 6 August 2007

Intermezzo

O Estio que transforma o nosso ser num mero pedaço de indolência aconselha-nos a repousar... eu e a Ariane abrimos os braços em perfeita harmonia, estreitando-os a todos vós, que por aqui passam. E descansam. E sonham..

Não se assustem, não são braços a mais. Efectivamente a Ariane, como muitos adivinharam, é uma parte de mim próprio. Uma parte que voltará em meados de Setembro. Para muito mais vos contar. E sobretudo para vos visitar, que até isso tem estado em falta.

Até lá.. o melhor dos melhores para os melhores: vocês.

Fallen & Ariane.

Nuno.

Tuesday 24 July 2007

Timbre

Escuto o teu timbre num estranho torpor que me invade e vagueia, vagabundo, percorrendo os meus poros, arrepiando-me, para depois partir e deixar-me abandonada. Escuto o teu timbre quando é somente um rumor, meu amor, um rumor que ameaça os meus sentidos e a razão que há muito perdi. Para ti. Por ti. Escuto o teu timbre como uma harpa melancólica, um tímbalo hipnótico... sabes? É esse o teu milagre. Encanta-me o teu timbre, porque é teu. E sendo teu é música. E faz voar.. transporta-me para uma infância onde era aquela menina que marcava os troncos de todas as árvores do meu pequeno mundo com um coração, trespassado por uma seta. E o teu nome, meu anjo, estava na seta.. e o meu nome, amor, estava junto ao teu. Essa seta tão nossa apontava para o velho carrossel, para o velho cavalo de pau já sem pintura onde eu me sentava e partia para terras distantes, ave liberta e libertina, estrangeira para ti e exótica para todos. És agora o meu carrossel que me encanta e inebria, que me faz flutuar ( magia ), que me faz sorrir e arrepia, que me embala em breves soluços, em sobressaltos compassados e ondulantes, que me ergue, que me baixa, que me alucina... que me alucina...

Escuto o teu timbre num estranho torpor. Que é somente um rumor, meu amor. Um rumor que me segreda, brutalmente, que o carrossel já não existe.. no seu lugar foi construida uma longa linha de comboio onde somos dois carris. Madeira e pedras impedem-nos de nos tocarmos. Mas assim seguimos. Lado a lado. Until the end of the world.

Wednesday 18 July 2007

Vozes

Penso muitas vezes no que teriamos a dizer um ao outro... se as palavras que tão bem soltas aqui, que crescem numa louca vertigem até se transformarem num gigantesco caudal de emoções.. penso se as dirias, olhos nos olhos, se a tua voz correria o risco de as proferir... o que falariamos nós?..
Será que me ouvias, atentamente, com esse teu olhar meigo e inebriante, falar de anjos e de batalhas ancestrais, falar do tempo em que repousavas na minha cama, no meu castelo ou na minha cabana de colmo.. poderias ouvir-me, sim... e a minha voz embargada descreveria as linhas da tua mão, as curvas do teu corpo, os sinais de nascença, as estrias de vários partos, de tantos dias, anos, séculos, recordar-te-ia todos os gritos de prazer que emitias em cada orgasmo. No tempo em que éramos bem mais que uma longa linha de comboio, que dois carris impedidos de se tocarem por madeira e pedras, e que assim seguem, lado a lado, até ao fim de mais um mundo...

Tenho a secreta certeza que me ouvias extasiada, Ariane. Porque sei que sou vento, mar e areia, fruta silvestre, sou acorde de sinfonia, sou perfume suave, sou elástico com que prendes o cabelo, sou livro aberto numa página pungente que te comove até ás lágrimas, numa página alegre que te faz sorrir, sou a água que te saceia a sede... sou tudo em que tocas pensando em mim, ternura. Sou tudo o que fazes comigo no teu pensamento... sim... sou a mão com que te tocas até caires num sono lânguido... dorme, meu amor. Dorme.