Tuesday 24 July 2007

Timbre

Escuto o teu timbre num estranho torpor que me invade e vagueia, vagabundo, percorrendo os meus poros, arrepiando-me, para depois partir e deixar-me abandonada. Escuto o teu timbre quando é somente um rumor, meu amor, um rumor que ameaça os meus sentidos e a razão que há muito perdi. Para ti. Por ti. Escuto o teu timbre como uma harpa melancólica, um tímbalo hipnótico... sabes? É esse o teu milagre. Encanta-me o teu timbre, porque é teu. E sendo teu é música. E faz voar.. transporta-me para uma infância onde era aquela menina que marcava os troncos de todas as árvores do meu pequeno mundo com um coração, trespassado por uma seta. E o teu nome, meu anjo, estava na seta.. e o meu nome, amor, estava junto ao teu. Essa seta tão nossa apontava para o velho carrossel, para o velho cavalo de pau já sem pintura onde eu me sentava e partia para terras distantes, ave liberta e libertina, estrangeira para ti e exótica para todos. És agora o meu carrossel que me encanta e inebria, que me faz flutuar ( magia ), que me faz sorrir e arrepia, que me embala em breves soluços, em sobressaltos compassados e ondulantes, que me ergue, que me baixa, que me alucina... que me alucina...

Escuto o teu timbre num estranho torpor. Que é somente um rumor, meu amor. Um rumor que me segreda, brutalmente, que o carrossel já não existe.. no seu lugar foi construida uma longa linha de comboio onde somos dois carris. Madeira e pedras impedem-nos de nos tocarmos. Mas assim seguimos. Lado a lado. Until the end of the world.

Wednesday 18 July 2007

Vozes

Penso muitas vezes no que teriamos a dizer um ao outro... se as palavras que tão bem soltas aqui, que crescem numa louca vertigem até se transformarem num gigantesco caudal de emoções.. penso se as dirias, olhos nos olhos, se a tua voz correria o risco de as proferir... o que falariamos nós?..
Será que me ouvias, atentamente, com esse teu olhar meigo e inebriante, falar de anjos e de batalhas ancestrais, falar do tempo em que repousavas na minha cama, no meu castelo ou na minha cabana de colmo.. poderias ouvir-me, sim... e a minha voz embargada descreveria as linhas da tua mão, as curvas do teu corpo, os sinais de nascença, as estrias de vários partos, de tantos dias, anos, séculos, recordar-te-ia todos os gritos de prazer que emitias em cada orgasmo. No tempo em que éramos bem mais que uma longa linha de comboio, que dois carris impedidos de se tocarem por madeira e pedras, e que assim seguem, lado a lado, até ao fim de mais um mundo...

Tenho a secreta certeza que me ouvias extasiada, Ariane. Porque sei que sou vento, mar e areia, fruta silvestre, sou acorde de sinfonia, sou perfume suave, sou elástico com que prendes o cabelo, sou livro aberto numa página pungente que te comove até ás lágrimas, numa página alegre que te faz sorrir, sou a água que te saceia a sede... sou tudo em que tocas pensando em mim, ternura. Sou tudo o que fazes comigo no teu pensamento... sim... sou a mão com que te tocas até caires num sono lânguido... dorme, meu amor. Dorme.

Monday 9 July 2007

Uma cama solitária

Desafias os meus pensamentos e invades os meus sonhos apenas para sentir a tua ausência. Não te vi sábado e refugiei-me no conto de fadas. Não te vi domingo e amaldiçoei a tua presença fisica inexistente. Procurei-te no mundo que só tu imaginaste, fechado dentre de mim... e hesito em dar-te a chave.. e receio que a perca... e ( pior, meu anjo ) tremo de pavor que tu um dia a exijas... Nesse mundo que só tu imaginaste escolhi o meu papel. Sou a princesa. Nesse mundo que só tu imaginaste não sei qual é o teu papel. Não sei se és o principe que me desperta com um beijo após anos e anos num estranho adormecimento, se és o dragão que me guarda na torre mais alta deste mundo, na cama mais solitária deste mundo.. que é já o meu leito onde agora te escrevo, onde agora te imagino principe, onde agora te descubro dragão, onde gostava de te sentir apenas como o menino perdido de olhar meigo que um dia recolhi para o adormecer com contos de fadas...

Não quero ser tua prisioneira, meu anjo... se fores dragão leva-me a voar.. só tu o poderás fazer nesse mundo que imaginaste. É decerto desse mundo que vem esta aragem que me faz estremecer, arrepiar, e fechar a janela. Retiro-me agora para a cama mais solitária do mundo, neste mundo tão medonho e tão real, onde existimos apenas como uma longa linha de comboio onde somos dois carris. Madeira e pedras impedem-nos de nos tocarmos. Mas assim seguimos. Lado a lado. Until the end of the world.

Friday 6 July 2007

Três degraus

Ontem vi-te. Reconheço o som dos teus passos hesitantes subindo aqueles três degraus, derradeiro muro que diariamente derrubas para me dares 2 segundos da tua vida. Pareceu-me ver-te sorrir enquanto acariciavas, melancólica, a colher de café... nas tuas mãos tudo é um pequeno milagre e quase que jurava que fazias dançar a colher contra a chávena. Mas ausente, tão ausente.. quero acreditar que pensavas em mim, que pensavas em nós, que imaginavas um conto de fadas com princesas, dragões e corcéis, que construias assim pacientemente uma estranha teia capaz de nos envolver, de nos prender, irremediavelmente para a eternidade. Voltaste desse mundo que só eu imaginei e levaste a chávena aos lábios.. aos lábios, Ariane.. aos lábios.. e 2 segundos bastaram para ver nos teus olhos o brilho de uma promessa velada... e 2 segundos bastaram para ouvir o som dos teus passos hesitantes erguer um novo muro enquanto descias aqueles três degraus. Porque existe uma longa linha de comboio onde somos dois carris. Madeira e pedras impedem-nos de nos tocarmos. Mas assim seguimos. Lado a lado. Until the end of the world.

Thursday 5 July 2007

Lado a lado

Ontem não te vi. Procurei-te da única forma que sei fazer, da única forma que posso fazer: com o olhar. Olhar rápido, de relance, para que ninguém saiba que esse olhar é para ti. O olhar que fixamos um no outro quando levantas os olhos da leitura em que estás imerso, quando pousas o copo de cerveja, aquele olhar que dura no máximo 2 segundos. 2 segundos é tudo o que podemos dar um ao outro. Nesses 2 segundos sou só tua. Penso como ficas bem numa segunda-feira com a barba desfeita. Se for numa quinta-feira penso como ficas bem com a barba por desfazer. E penso o que procuram esses teus olhos de menino abandonado, esse teu olhar tão doce quanto carente. E penso que num mundo ideal te poderia fazer falar com eles. Mas não, 2 segundos não dá para tanto. É por isso que transformei os meus sonhos no nosso mundo, onde eu não sou casada, onde tu estás disponivel para mim. E é no teu olhar que penso quando adormeço, quando leio o teu blog, quando me toco em noites solitárias..

Lembras-te quando fazias daquele café, por baixo da minha casa, a tua própria casa? Éramos vizinhos então. Creio que estavas separado nessa altura. Ouvia-te.. e foi aí que trocámos as únicas palavras até hoje, retirando deste estranho contexto as « boas tardes » de circunstância. Falavas de um blog. Pedi desculpa por interromper e disse-te que era uma leitura compulsiva da blogosfera. Perguntei-te qual era o teu.. disseste-me e fizeste-me acreditar no destino. Nunca te disse, 2 segundos e um olhar não mo permitem mas.. sempre te li, eras e és o meu preferido, e muitas vezes imaginava quem era o sensual anjo caído. Eras tu... foste sempre tu. Talvez tenhas reparado que nunca mais falámos desde então e resumi tudo a 2 segundos. Não posso falar contigo. Não temos a nossa canção de engate onde tu estás livre e eu estou livre e há uma noite para passar. Amo o meu marido. Tu amas a tua mulher. Mas isto podemos ter: um encontro de respeito e admiração, que me permite ter mais que 2 segundos.

Do fundo do coração agradeço-te a honra que me deste ao aceitar esta minha ideia louca. É um orgulho ser a tua co-autora. Porque afinal...

Somos uma longa linha de comboio onde somos dois carris. Madeira e pedras impedem-nos de nos tocarmos. Mas assim seguimos. Lado a lado. Until the end of the world.